terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tinha um Drummond sobre a mesa

Caricatura do poeta Carlos Drummond de Andrade feita pelo cantor e compositor Belchior





Tinha um Drummond sobre a Mesa 
*Sexto Lugar no "Prêmio Cataratas de Contos e Poesias de 2013"
** Crônica vencedora do "35° Concurso Literário da UNISO" (2016) 

Cheguei a casa, após certo dia de trabalho. Em cima da mesa da cozinha, um Drummond. Olhei com algum desdém e me dirigi ao quarto. Antes, passei pela sala, onde minha filha assistia à TV. Cumprimentei-a com um sorriso.
Voltei do quarto e acabei passando pela cozinha novamente. Ia para o banheiro. E tinha um Drummond... sobre a mesa. Apenas, passei meus olhos mecanicamente e fui tomar um bom e morno banho.
Lá pelas seis, Teresa chegou. Eu acabara de sair do banho.
— Teresa, tem um Drummond sobre a mesa... — disse imediatamente para minha esposa, após sauda-la com um beijo.
— Deve ser coisa da Julieta. — respondeu prontamente e sem nenhuma surpresa.
Em meu alheamento ao que soa porosidade e comunicação, fiquei em silêncio e acreditei ter colocado uma pedra naquele assunto. Assim, me distraí nas horas seguintes, lendo algo no jornal e ajudando Teresa no preparo de um jantar.
Jantamos lá pelas oito e aquele Drummond nos fez companhia, sobre a mesa, imóvel. Ninguém foi capaz de dizer uma palavra sobre aquilo. Teresa e eu, mastigando aquela comida com certa frieza e Julieta com algum olhar sonhador próprio de alguém que vive o auge da adolescência.
Passava das nove, quando fui para cama. Teresa ainda via algo na TV do quarto, quando me deitei ao seu lado. Mas, estranhamente, nenhum sono me veio. Rolei algumas vezes pela cama e, sem saber o porquê, me lembrei daquele Drummond novamente.
Percebendo minha inquietação, minha mulher me lançou um sutil olhar reprovador.
— Vou à cozinha beber alguma água! — eu lhe disse com certa culpa.
Passei pela sala onde Julieta conversava com alguém pelo celular. Não lhe dei muita atenção, embora ela sorrisse timidamente para mim. A cozinha estava escura. Sem rodeios, acionei o interruptor e a lâmpada acendeu. Meu coração disparou, pois Drummond continuava no mesmo lugar, como se me esperasse.
“E agora José?”, pensei uma vez. E, antes de pensar novamente, deixei-me levar pelo instinto. Puxei uma cadeira e me sentei. Encarei Drummond com certo olhar de reverência e o abri.
“Alguma Poesia”, só então percebi o título. E fiquei estático, como se não soubesse o que fazer. “Tenho apenas duas mãos... e um Drummond.”, disse em um sussurro, como se aquelas palavras fossem mágicas.
E meus olhos se aventuraram, com natural cautela, pelas linhas iniciais daquele Drummond. E, quando dei por mim, já me enveredava pelo sentimento do mundo contido naqueles versos.
Foi noite algo sublime. Naveguei por mares de poemas e confidências daquele itabirano. Li e reli quantas vezes me foi possível, até adormecer. E quando a madrugada lançou seus tentáculos pela janela da cozinha, eu me encontrava envolto em tantos arrebatamentos, que julguei ser apenas um sonho quando ouvi alguém me chamar.
— José! — era a voz de Teresa. — A noite esfriou!
Ergui os olhos, quando finalmente me dei conta de que minha esposa me estendia uma mão. Retribui, com um sorriso e a abracei com alguma volúpia, enquanto olhava, de soslaio, para Drummond em cima da mesa. E sentimento, algo de paz, tomou conta do meu peito.
“Só pode ser coisa da Julieta!”, pensei enquanto caminhávamos para o quarto.


Anderson Lobo (sonhador sempre)

sábado, 21 de agosto de 2010

sorri (para moça cantadeira)

 
sorri,
pois teu sorriso é brandura
em mar de desencanto.
como fosse canção
e da alma, acalanto.

sorri
e bebe da quentura que a vida lhe oferece
pois sorrir é bela arte,
que o peito apetece.

sorri, então,
mesmo quando
dos dissabores.
o sorriso gentil
e o peito em amores,
sê algo harmonia
e em versos brandos,
singela poesia.

Anderson Lobo
(aprendiz de Chaplin, cantor de noites e sonhador sempre)


 



quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Quando Ian Anderson se Encontrou com D. Zabé da Loca





Foi em um subúrbio de Paris
que D. Zabé da Loca, tresloucada,
se encontrou com Ian Anderson.
E o mundo parou para ouvir o duelo improvável entre caatinga e Escócia.
Assim se deu improviso admirável
entre Gonzaga e Bach,
Hendrix e Jackson do Pandeiro.
Melodia de milhões de pifes
ao som de folk e de medievo.
Sopros incalculáveis de sonoridades ímpares.
Sinfonia, algo magnífica,
entre Caruaru, Camelot
e o resto do mundo.
E o Sertão de Euclides nunca mais foi o mesmo! 
Lampião acabou por se embrenhar em floresta celta,
em cujo interior, Padre Cícero rezava,
entre druidas e Conselheiro,
ao som doce de flautas.

Foi em um subúrbio de Paris que se deu o caso!
E o mundo parou para admirar
a beleza desvairada de tal encontro.
 
Anderson Lobo
(aprendiz de domador de palavras)


Saiba mais sobre D. Zabé da Loca no link:

Numinoso

Anoitecia, quando o mestre bateu à porta do mercador.   — Sou um velho monge, amigo da sabedoria. Venho de uma longa jornada rumo à minha mo...