— Quer dizer
que nesse lugar são exibidos filmes cult? — ela apontou para o
cinema do outro lado da rua.
— Somente
filmes alternativos, que você nunca verá nas grandes salas de cinema —
respondi como um verdadeiro cinéfilo.
— Legal, acho
que nunca assisti a um filme cult! — ela disse, estampando sorriso
cativante.
Dirigimo-nos
para a entrada do cinema, onde estavam os cartazes dos tais filmes que estavam
sendo exibidos. Lembro-me que havia alguns filmes nacionais e outros estrangeiros,
dentre estes, um iraniano.
— Esses filmes
são realmente bons, né? — ela me perguntou com um “quê” de dúvida.
— Geralmente
são filmes inteligentes e densos! — respondi, sem saber que estava dizendo de
forma eufemística que filmes cult são chatos — Nada contra filmes hollywoodianos
mas, os alternativos são os melhores!
— Tudo bem...
e a qual vamos assistir? — perguntou ela com sorriso ainda mais cativante.
— Olha, não li
a sinopse de nenhum desses filmes. — fui sincero — Poderíamos simplesmente escolher,
pelos cartazes! Só não escolha o filme iraniano, por favor! Como todo bom filme iraniano, deve ser
extremamente contemplativo!
Sorri do meu
comentário que deveria ter sido engraçado.
— E que tal
aquele? — ela apontou para um cartaz, a nossa esquerda, ao lado do cartaz do
filme iraniano contemplativo.
— Almodóvar? —
olhei para o cartaz que trazia a imagem de um menino com uma expressão
emblemática — Já ouvi falar sobre esse diretor. É mexicano.
O nome do
filme não fazia a mínima diferença e, logicamente, não conhecia nada sobre os
filmes do Almodóvar e muito menos sobre sua nacionalidade. Aliás, tudo que
sabia sobre filmes alternativos era que os filmes iranianos eram extremamente
contemplativos.
— Uma ótima
escolha! — respondi triunfalmente.
Comprei o par
de ingressos na bilheteria, onde um homem que usava óculos de lentes grossas me
atendeu com um sorriso amarelo. Encaminhamo-nos então para o hall de entrada da
sala onde seria exibido o tal filme e nos sentamos em uma aconchegante
poltrona. Estávamos a sós, a sessão ainda demoraria alguns minutos para
começar.
— Gostei da
sua iniciativa! — ela disse — Geralmente os caras que me convidam para
sair me levam a lugares comuns e pouco criativos! Acho que vai ser interessante
assistir a um filme alternativo com você.
Lembro-me de a
ter olhado nesse momento com um ar de triunfo e sorri antes de dizer:
— Você é uma
pessoa especial! — disse, sem rodeios. Ela me respondeu com um olhar amistoso
e, naquele momento, tive certeza de que estava no caminho certo.
Havia qualquer
coisa romântica no ar, e pensei em dizer algo para impressiona-la. A chegada, entretanto, de dois rapazes
dissipou um pouco daquela atmosfera. Percebi que eram gays e se sentaram em uma
poltrona que estava de frente para nós.
Ela me lançou uma expressão do tipo: “Nenhum
problema!” Retribui-lhe o olhar, no exato instante em que chegava uma senhora
com ares de intelectual.
Outras pessoas
chegaram e, após alguns minutos, nos vimos entre um público constituído
basicamente por intelectuais, donos de estilos alternativos. “Naturalmente é
um filme cult”, pensei, um pouco receoso, quando a porta da sala abriu.
Acomodamos-nos
aproximadamente no centro da sala, a qual era pouco espaçosa, mas também
aconchegante. Conversamos algumas banalidades até que, enfim, as luzes se
apagaram. Após alguns trailers e
anúncios, teve início o filme.
Desconfortavelmente... assim fui apresentado a Almodóvar. Não foram necessárias muitas cenas para que
eu tivesse certeza de que o filme tratava de algum assunto extremamente
espinhoso e constrangedor. Preciso apenas dizer que em determinado ponto da
película, um padre molestava um menino, o menino do cartaz, creio eu.
Senti algo de
aflição me preencher o estômago. Queria impressioná-la, mas não de forma tão
contundente. Não que esperasse por tema açucarado em um filme cult, mas,
enfim, não pensava que o tal filme fosse tão, digamos, polêmico. Será que o
contemplativo filme iraniano teria sido melhor opção?
Tentava ser o
mais natural possível, mas, confesso, não era fácil com aquele filme sobre
padres pedófilos sendo exibido. Ligeiramente constrangido, olhava para ela
obliquamente e não conseguia perceber se estava mais ou menos à vontade que eu.
Não que
tivesse algum problema em discutir aquele tema indigesto. Sim, acredito que é
preciso denunciar a pedofilia! Todavia, não queria tocar naquele assunto,
naquele exato momento, dentro daquela sala de cinema, ao lado daquela bela
morena.
E se ela
pedisse para sair da sala? Talvez, em meu íntimo esse fosse o meu desejo. Mas,
afinal, a sugestão de assistir a um filme cult tinha sido minha. E se a intenção era
impressioná-la, talvez estivesse conseguindo, de uma forma ou de outra. Além do mais, ela havia concordado em
assistir a um filme alternativo e, definitivamente, era o que estávamos
fazendo.
O desfecho
dessa ideia, convenhamos, pouco inspirada, foi a seguinte: saímos da sala em
silêncio, e pouco fizemos para mudar aquela situação. Logicamente, eu não
perguntei se ela havia gostado do filme. Porém, com alguma expectativa,
arrisquei um convite:
—
Vamos comer algo? Uma pizza, quem sabe?
Ela não
respondeu, rebateu com seriedade:
— Não estou
com fome. Sinceramente, acho que não estou preparada para filmes desse tipo.
Naquele
momento, pensei novamente se o filme iraniano teria sido uma escolha mais
sábia.
Anderson Lobo