quarta-feira, 7 de junho de 2017

O Estrangeiro



Ele andava, pelas calçadas de sua cidade natal. Seus olhos percorriam-na, ora perplexos, ora infelizes. Havia casas luxuosas, protegidas por muros feios e sujos, em frente dos quais, homens se serviam de banquetes vindos das latas de lixo. Havia varandas imponentes, onde, em bancos de mármore, sentavam-se homens de ternos garbosos e sorrisos dourados, escoltados por soldados que seguravam clavas.

Enveredava-se, como um estranho, pelas vias, adentrando cada vez mais os labirintos de pedra e piche.

Havia lojas, em cujas fachadas, frutas podres eram trocadas por metais reluzentes. Casacos e sapatos feitos de pele de animais, expostos em barracas eram vendidos por homens, que berravam copiosamente. Passeavam, deslumbradas, mulheres elegantes, cujos odores nauseabundos eram disfarçados por perfumes caros. Bares e bêbados se equilibravam pelas calçadas de uma suntuosa avenida, em cujo interior corria um córrego pútrido.

Nas ruínas do que um dia fora um anfiteatro, havia uma arena, onde um grupo assistia a uma luta de gladiadores. Havia falas acaloradas e apostas. Rubro era o chão, onde as pessoas se amontoavam para assistir ao espetáculo.

Em uma praça, havia um homem dos templos, que falava a uma multidão. Discursava com veemência, segurando um livro empoeirado. Saliva grossa e violentas palavras saíam, sagradas, de sua boca. Venerando aquele discurso, cantores empunhavam liras, entoando, com fé, uma ode à intolerância. Crédulos ouviam, com êxtase, promessas e ameaças do homem dos templos.

No centro da cidade, havia construções vultosas que abrigavam as moradas de políticos, nobres e catedráticos. Prédios envelhecidos, empoeirados.

Em frente a um palácio imponente, de fachada corroída pela ação do tempo, acontecia um julgamento. Gritos ensandecidos eram dirigidos a uma mulher, que estava exposta, nua, sobre um palanque.
 
Entre silêncios e berros, uma voz ressoava, potente e terrível, acusando formalmente a mulher. Pertencia a um orador de toga, cujo discurso soava eloquente para a multidão presente.
 
A mulher nua, dona de belo e jovem corpo, mantinha o olhar fixo em algum ponto para além da turba, alheia às acusações que lhe eram dirigidas. Não resignado, era o olhar de alguém que desafiava a mão do destino que inevitavelmente cairia sobre si.
 
Angustiado, ele se sentiu só, no coração da urbe, bela dentre as mais ricas. Não mais caminharia. Tentava, em vão, olhar para as pessoas, mas já não tinham rostos. Havia borrões onde deveriam existir expressões humanas...

Numinoso

Anoitecia, quando o mestre bateu à porta do mercador.   — Sou um velho monge, amigo da sabedoria. Venho de uma longa jornada rumo à minha mo...