Era meia-noite.
— Você tem um belo violão! — ele me disse. Tinha modos polidos e voz calma. Usava um terno branco e sapatos engraxados.
— É meu único bem... além da alma... — a noite era completa e uma lua inchada iluminava a encruzilhada deserta. Quatro caminhos partiam em linha reta daquele ponto e se perdiam nas entranhas da noite. Lembro-me de um vento frio, levantando poeira e levando algum aroma de medo ao meu âmago.
Ele me dirigiu um sorriso sedutor, sabia que eu iria até o fim. A aba de seu belo chapéu não permitia que eu contemplasse seus olhos, mas, se bem me lembro, eles brilhavam em um tom rubro.
— Você quer tocar o blues, garoto?
— É tudo que quero.
— Pagará o preço?
Fiz um gesto afirmativo com a cabeça e nos sentamos sobre uma pedra. Ofereci-lhe o violão.
Ele afinava as cordas, enquanto o observava, hipnotizado. Uma atmosfera opressora penetrava meus pulmões.
Então ele tocou o blues. Eram acordes, como jamais havia ouvido. E eram mãos ágeis, as que percorriam o instrumento.
— Bom negócio! — ele me entregou o instumento e, sem anunciar, se levantou.
Não fui capaz de dizer mais nada. Apenas o observei desaparecer nas trevas da noite. Fiquei estático por algum tempo, que não posso precisar. E só então tomei coragem para arriscar alguns acordes.
Acho que amanhecia quando coloquei o violão nas costas e deixei a encruzilhada. Algumas pessoas passaram por mim, quando seguia pela estrada, que me levaria ao norte. Lançavam olhares para mim, como quem olha para um pobre diabo. Mal sabiam a verdade...