terça-feira, 12 de maio de 2015

O Aprendiz de Domador de Palavras


Era uma planície infinita aquela na qual as palavras corriam, belas e selvagens. Encontravam-se ali todas as espécies de classes gramaticais da língua portuguesa, vivendo, às vezes, solitárias ou, comumente, em enormes manadas, ruidosas e definitivamente confusas. Havia palavras grandes, monossílabas, rebuscadas, coloquiais e até de baixo calão, estas bem mais agitadas que as demais.

Somente os afeitos ao ofício de domá-las arriscavam-se por aquele cenário gramaticalmente fecundo, embora ameaçador. Escritores, jornalistas, poetas, roteiristas, publicitários, estes eram alguns dos domadores de palavras que costumavam lidar com as referidas indômitas, sempre munidos de suas penas.

Era uma manhã ensolarada e um aprendiz de domador observava, à distância, um bando arredio de pronomes. Com sua pena e um caderno de folhas amareladas, percorria aquelas paragens, com alguma cautela, tentando arriscar alguns versos.

— Hoje foi um dia especialmente produtivo. — disse-lhe um romancista profissional que passava por ali — Consegui palavras suficientes para um ou dois capítulos!

O aprendiz respondeu-lhe, comedido:

— Estou às voltas com metáforas! Para um poema.

— Boa sorte, colega! — o escritor se despediu dando-lhe um tapinha nas costas. — Metáforas são interessantes!

O aprendiz sorriu um sorriso algo amarelo. Sabia que, embora interessantes, as metáforas, eram especialmente complicadas. Afinal, lidar com sentidos que não fossem os literais, exigia certa dose de imaginação. Alguns especialistas, como os grandes poetas, escreviam metáforas com tanta naturalidade, que sabiam exatamente onde e quando procurar as palavras certas para serem domadas. Mas ao aprendiz, faltava ainda alguma prática. Por vezes, atrapalhava-se com sua pena, em momentos cruciais, como naqueles em que se via frente a frente com bandos de palavras a trotarem, desembestadas, pelo seu caminho.

Foi em um momento de arroubo que vislumbrou uma manada grande e heterogênea, que avançava em sua direção, deixando, para trás, uma espessa nuvem de poeira. Aquelas palavras bem que poderiam formar alguma das metáforas que precisava para seus versos. O aprendiz não desperdiçou a oportunidade. Lançando mão de sua pena, laçou, com alguma dificuldade, o tal grupo de palavras e juntou-as em uma página do seu caderno, para que não escapassem.

Estavam as tais, agitadas nas linhas e não pareciam dispostas a cooperar. De início, o aprendiz olhou-as com alguma desconfiança, mas, logo, teve engenho e paciência necessários. Amansando-as, finalmente, colocou-as em ordem, conseguindo que elas se comportassem, cada qual, da maneira que ele desejava. Aquela era a primeira metáfora de seu poema e percebeu que era um bom começo. Sabia, porém, ainda lhe faltavam muitos versos.

Sem desanimar, contemplou novamente a infinita planície. Lançou-se, então, no encalço de outras palavras que pudesse capturar para seu trabalho poético. As arredias se movimentavam por todos os lados, mostrando seus dentes e garras afiados. Perderia, o aprendiz, um bom tempo naquela aventura. Sabia, pois, era árduo o ofício de domar palavras.

Anderson Lobo

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