Caricatura do poeta Carlos Drummond de Andrade feita pelo cantor e compositor Belchior
Tinha um Drummond sobre a Mesa
*Sexto Lugar no "Prêmio Cataratas de Contos e Poesias de 2013"
** Crônica vencedora do "35° Concurso Literário da UNISO" (2016)
Cheguei a casa, após
certo dia de trabalho. Em cima da mesa da cozinha, um Drummond. Olhei com algum
desdém e me dirigi ao quarto. Antes, passei pela sala, onde minha filha
assistia à TV. Cumprimentei-a com um sorriso.
Voltei do quarto e
acabei passando pela cozinha novamente. Ia para o banheiro. E tinha um
Drummond... sobre a mesa. Apenas, passei meus olhos mecanicamente e fui tomar
um bom e morno banho.
Lá pelas seis, Teresa
chegou. Eu acabara de sair do banho.
— Teresa, tem um
Drummond sobre a mesa... — disse imediatamente para minha esposa, após sauda-la
com um beijo.
— Deve ser coisa da
Julieta. — respondeu prontamente e sem nenhuma surpresa.
Em meu alheamento ao
que soa porosidade e comunicação, fiquei em silêncio e acreditei ter colocado
uma pedra naquele assunto. Assim, me distraí nas horas seguintes, lendo algo no
jornal e ajudando Teresa no preparo de um jantar.
Jantamos lá pelas oito
e aquele Drummond nos fez companhia, sobre a mesa, imóvel. Ninguém foi capaz de
dizer uma palavra sobre aquilo. Teresa e eu, mastigando aquela comida com certa
frieza e Julieta com algum olhar sonhador próprio de alguém que vive o auge da
adolescência.
Passava das nove,
quando fui para cama. Teresa ainda via algo na TV do quarto, quando me deitei ao
seu lado. Mas, estranhamente, nenhum sono me veio. Rolei algumas vezes pela
cama e, sem saber o porquê, me lembrei daquele Drummond novamente.
Percebendo minha
inquietação, minha mulher me lançou um sutil olhar reprovador.
— Vou à cozinha
beber alguma água! — eu lhe disse com certa culpa.
Passei pela sala onde
Julieta conversava com alguém pelo celular. Não lhe dei muita atenção, embora
ela sorrisse timidamente para mim. A cozinha estava escura. Sem rodeios,
acionei o interruptor e a lâmpada acendeu. Meu coração disparou, pois
Drummond continuava no mesmo lugar, como se me esperasse.
“E agora José?”, pensei
uma vez. E, antes de pensar novamente, deixei-me levar pelo instinto. Puxei uma
cadeira e me sentei. Encarei Drummond com certo olhar de reverência e o abri.
“Alguma Poesia”, só
então percebi o título. E fiquei estático, como se não soubesse o que fazer.
“Tenho apenas duas mãos... e um Drummond.”, disse em um sussurro, como se
aquelas palavras fossem mágicas.
E meus olhos se
aventuraram, com natural cautela, pelas linhas iniciais daquele Drummond. E, quando
dei por mim, já me enveredava pelo sentimento do mundo contido naqueles versos.
Foi noite algo sublime.
Naveguei por mares de poemas e confidências daquele itabirano. Li e reli
quantas vezes me foi possível, até adormecer. E quando a madrugada lançou seus
tentáculos pela janela da cozinha, eu me encontrava envolto em tantos
arrebatamentos, que julguei ser apenas um sonho quando ouvi alguém me chamar.
— José! — era a voz de Teresa.
— A noite esfriou!
Ergui os olhos, quando
finalmente me dei conta de que minha esposa me estendia uma mão. Retribui, com
um sorriso e a abracei com alguma volúpia, enquanto olhava, de soslaio, para
Drummond em cima da mesa. E sentimento, algo de paz, tomou conta do meu peito.
“Só pode ser coisa da
Julieta!”, pensei enquanto caminhávamos para o quarto.
Anderson Lobo (sonhador sempre)
Anderson, você é "o cara!"
ResponderExcluirParabéns...
Vagner
Muito legal mesmo...
ResponderExcluirParabéns!!!!
Alessandra
Anderson para a academia de letras!!!!!kkk
ResponderExcluirficou otimo gostei muito, alias como tudo que vc escreve.
Adorei...!!!
ResponderExcluirDevia mandar esse texto para o concurso de contos "16º Prêmio Nacional Assis Chateaubriand de Redação"...O assunto do concurso é exatamente Drummond...Acho que vc tem grande chances...!!!
Bom dia meu amigo!
ResponderExcluirParabéns, texto excelente, maravilhoso!
Bem como tudo que você escreve!
Abraços!
Mel
Cara, incrível! Impressionante a capacidade de tomar da atenção durante a leitura, fora o desejo de chegar até o final, realmente fora de série, me fez querer voltar a ler livros! Parabens mesmo!!
ResponderExcluirBiel
Cara, incrível! Impressionante a capacidade de tomar da atenção durante a leitura, fora o desejo de chegar até o final, realmente fora de série, me fez querer voltar a ler livros! Parabens mesmo!!
ResponderExcluirBiel
Ótimo texto, muito bom mesmo.
ResponderExcluirQue sempre haja Drummond sobre a mesa e dentro dos corações...
Parabéns!