Os pés, descalços e feridos. A alma absorta em pensamentos
incertos e dúvidas. A praia deserta e as águas do Mar da Angústia, escuras e
frias. Agitadas, as ondas morriam com algum rebuliço na areia grossa.
Peregrino observava com horror, o crepúsculo. Havia expressão
fatídica em sua face pálida e a noite desabava, pesadamente sobre sua alma.
Espectro flutuava sobre as águas do mar e ouviu os
clamores de seu âmago. Aproximando-se de Peregrino, deixou-se ficar ao seu
lado.
—
Amaste e adormeceste ao lado de fera. — sussurrou, sob forma de brisa gélida,
no ouvido do Peregrino — Aprendeste com a entrega? Recebeste espinhos em lugar
de flores?
Peregrino sentiu calafrio e não foi capaz de encarar Espectro.
Novas palavras ecoaram. “Anoiteceste e jamais serás alvorada, Peregrino.
Entrega-te a fera de uma vez! Tua busca não tem propósitos. Essa praia, onde
prosternas, é o túmulo de tua última quimera!”
Peregrino então lançou o olhar em direção ao poente,
onde alguns parcos raios solares ainda teimavam em irradiar alguma luz. Disse
como em monólogo, vacilante, embora com firmeza suficiente para ser ouvido
pelas águas do mar:
― Oh! Morte, zombeteira e poderosa, dona de
incontáveis desgraças! Seduz-me com lábios gélidos, mas, creio, ainda é tempo
de caminhar!
— Mas teus pés doem, Peregrino! E teu amor foi vão,
assim como teu sacrifício! Estás tão só e teu ocaso vem vindo!
— Admito... desejo teu beijo.
— Sim, Peregrino! Sei que tu desejas o veneno de meus
lábios!
— Mas ainda é tempo de caminhar...
— Então, insistes na tua própria derrota? — Espectro
em tom irônico — Se queres sofrimento, teu verdugo o aguarda. Mas redenção
somente eu posso lhe oferecer.
— Há redenção, que não em teus braços! Haverá outros
arrebóis!
Aterrador silêncio se fez, enquanto o céu era envolvido
pela noite. Peregrino sorriu, como se estivesse a recuperar um pouco de sua
lucidez.
— Aprende com tua loucura, Peregrino. Sê lúcido o
suficiente para enfrentar a dor da existência.
Ante tais palavras, Espectro retomou ao mar e
Peregrino pôde, enfim, apreciar algo de belo na noite que já era completa. “Eis
a única dor que traz alguma luz: a existência!”, foi esse o pensamento que
emergiu em sua mente, antes de adormecer sobre as areias calejadas que eram
banhadas pelo Mar das Angústias.
Manhã surpreendeu Peregrino, dormindo. Mas este acordou a tempo de
acompanhar os momentos finais do arrebol. “O mais edificante dos espetáculos!”
Anderson Lobo
(errante)
(errante)
Quando leio tuas palavras,as minhas fogem,sem dúvida é um texto tão fascinante quanto quem o fez
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