segunda-feira, 7 de março de 2011

Peregrino

foto: autor desconhecido

Os pés, descalços e feridos. A alma absorta em pensamentos incertos e dúvidas. A praia deserta e as águas do Mar da Angústia, escuras e frias. Agitadas, as ondas morriam com algum rebuliço na areia grossa.

Peregrino observava com horror, o crepúsculo.  Havia expressão fatídica em sua face pálida e a noite desabava, pesadamente sobre sua alma.

Espectro flutuava sobre as águas do mar e ouviu os clamores de seu âmago. Aproximando-se de Peregrino, deixou-se ficar ao seu lado.

— Amaste e adormeceste ao lado de fera. — sussurrou, sob forma de brisa gélida, no ouvido do Peregrino — Aprendeste com a entrega? Recebeste espinhos em lugar de flores?

Peregrino sentiu calafrio e não foi capaz de encarar Espectro. Novas palavras ecoaram. “Anoiteceste e jamais serás alvorada, Peregrino. Entrega-te a fera de uma vez! Tua busca não tem propósitos. Essa praia, onde prosternas, é o túmulo de tua última quimera!”

Peregrino então lançou o olhar em direção ao poente, onde alguns parcos raios solares ainda teimavam em irradiar alguma luz. Disse como em monólogo, vacilante, embora com firmeza suficiente para ser ouvido pelas águas do mar:

― Oh! Morte, zombeteira e poderosa, dona de incontáveis desgraças! Seduz-me com lábios gélidos, mas, creio, ainda é tempo de caminhar!

— Mas teus pés doem, Peregrino! E teu amor foi vão, assim como teu sacrifício! Estás tão só e teu ocaso vem vindo!

— Admito... desejo teu beijo.
           
— Sim, Peregrino! Sei que tu desejas o veneno de meus lábios!

— Mas ainda é tempo de caminhar...

— Então, insistes na tua própria derrota? — Espectro em tom irônico — Se queres sofrimento, teu verdugo o aguarda. Mas redenção somente eu posso lhe oferecer. 

— Há redenção, que não em teus braços! Haverá outros arrebóis!

Aterrador silêncio se fez, enquanto o céu era envolvido pela noite. Peregrino sorriu, como se estivesse a recuperar um pouco de sua lucidez.

— Aprende com tua loucura, Peregrino. Sê lúcido o suficiente para enfrentar a dor da existência.

Ante tais palavras, Espectro retomou ao mar e Peregrino pôde, enfim, apreciar algo de belo na noite que já era completa. “Eis a única dor que traz alguma luz: a existência!”, foi esse o pensamento que emergiu em sua mente, antes de adormecer sobre as areias calejadas que eram banhadas pelo Mar das Angústias.

Manhã surpreendeu Peregrino, dormindo. Mas este acordou a tempo de acompanhar os momentos finais do arrebol. “O mais edificante dos espetáculos!”

Anderson Lobo
(errante)


Um comentário:

  1. Quando leio tuas palavras,as minhas fogem,sem dúvida é um texto tão fascinante quanto quem o fez

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